Segunda-feira, 29 de Março de 2004
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planeta2.jpg 

     Não lembra, mas é um planeta. Desses
     que orbitam uma das inumeráveis estrelas.
     Em que nuvem se esconderá a Terra-Gémea?

 


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Domingo, 8 de Fevereiro de 2004
Putnam # 15

Putnam2.jpg Searle.bmp

Hillary Putnam                    John Searle

Bibliografia:

—      Blackburn, Simon, Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1997 [1994].

—      Kant, Crítica da Razão Pura, trad. A. Fradique Morujão e Manuela Pinto dos Santos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985.

—      Monteiro, João Paulo, "Realismo e Apreensibilidade”,  in Análise nº 18, edições Colibri  (1995).

—      Nagel, Thomas, The view from nowhere, New York, Oxford University Press, 1989 [1986].

—      Platão, Cartas, tradução de Conceição Gomes da Silva, editorial estampa, Lisboa, 1989.

—      Putnam, Hilary, «The Meaning of ‘Meaning’», in Mind, Language and Reality, Philosophical Papers, Vol. 2, Cambridge University Press, 1975.

—      Putnam, Hilary, Razão, Verdade e História, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992 [1981].

—      Searle, John, Intencionalidade — um ensaio de filosofia da mente, trad. de Madalena Poole da Costa, Relógio d’Água, 1999 [1983].

—      Vários, Filosofia analítica, Gradiva, s/d, copyright Encyclopédia Universalis.

—      Vários, Existência e Linguagem – Ensaios de metafísica analítica (Quine; Alonzo Church; Tarski; Donald Davidson), trad. de João Branquinho, Presença, 1990.


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Sábado, 7 de Fevereiro de 2004
Putnam # 14

Ora, no mundo que nos rodeia há aspectos da realidade que conhecemos — os objectos do conhecimento científico —, outros que ainda desconhecemos — mas podemos vir a conhecer —, a par de, porventura, aspectos incognoscíveis por inacessíveis a qualquer sujeito humano.

Pode ainda dar-se — ignorámo-lo — que as “coisas em si” de que falava Kant, no sentido preciso da referida inacessibilidade ao sujeito humano, possam não o ser em relação a qualquer sujeito ou apreensor possível.

Se conviermos nesta possibilidade — em rigor não negável nos quadros conceptuais da estrita racionalidade humana — poderemos lógicamente estender a noção de realidade ao que quer que exista, real e concretamente, e possa ser concebido como acessível a um qualquer apreensor possível, mesmo inhumano. Nesta perspectiva, aceitaremos que «o existir só tem sentido “em si”, mas ser uma realidade só tem sentido “para” um apreensor.»[1]

Deste modo, embora as entidades que constituem o mundo sejam independentes da mente, e não dependam, para serem reais, do sujeito humano nem de qualquer apreensor real e efectivo, elas dependem, contudo, de apreendores possíveis e só possuem realidade para estes últimos.

Esta é uma “ontologia mínima” implicada pelo realismo comum e dispensada pelo realismo metafísico, — como o de Searle —, em que o mundo externo é encarado como uma realidade independente da mente, metafísicamente hipostasiada.

Por outro lado, a tese do externalismo metafísico de que há uma única descrição coerente e verdadeira do mundo, não é sustentável no realismo comum que sugerimos, porquanto cada espécie de apreensores possíveis selecciona os “seus apreensíveis”, numa descrição coerente à perspectiva do seu próprio ponto de vista.

Há, assim, lugar a algum tipo de correspondência, mas «concebida como constitutiva tanto dos apreensores como dos apreensíveis, na sua relação recíproca.»[2]

Ora, o realismo interno de Putnam extrema-se ao ponto de não ver qualquer sentido na questão: “Quais são as realidades do mundo?” se independente do nosso esquema conceptual de inteligir a realidade. Porém, o mundo não é o nosso mundo. Ele pode ser parcial ou largamente incompreensível para nós. O mundo não está dependente do nosso ponto de vista sobre ele, nem de qualquer outro ponto de vista. O mundo contem-nos. Ele é básicamente inhumano, e a direcção de dependência é, iniludívelmente, a do sentido de ajustamento da mente ao mundo, compreendamo-lo ou não.[3]

Não obstante, defendemos com Russell, numa perspectiva ontológica, a capacidade humana de surpreender os universais nos qualia do mundo[4], fazendo jus às possibilidades lógicas de o cérebro permitir à espécie humana inteligir o mundo. E se bem que para conhecer um objecto, seja necessário provar a sua possibilidade, o cérebro humano pode, contudo, pensar o que quiser desde que não se contradiga consigo próprio na cadeia do pensamento em que forja os seus próprios conceitos, ainda que eles possam não corresponder a qualquer objecto.

No fundo, — dizemo-lo a concluir —, a verdade tem a coerência da lógica não-contraditória e o homem tenta apreender o mundo tal qual ele é, não-dependente da sua apreensibilidade, e daí que, como afirmava Platão[5], «a verdade, o mais belo nome da realidade, é uma vagabundagem divina.» 

 



[1] Ibid., p 136.

[2]Ibid., p 140.

[3] Cf., Thomas Nagel, The view from nowhere, New York, Oxford University Press, 1989 [1986], p 108. Diz Nagel: «Any conception of the world must include some acknowledgement of its own incompleteness: () I claim that it may contain not only what we don´t know and can´t conceive, but also what we never could conceive — and that this acknowledgement of the likelihood of its own limits should be built into our conception of reality. This amounts to a strong form of antihumanism: the world is not our world, even potentially. It may be partly or largely incomprehensible to us not just because we lack the time or technical capacity to acquire a full understanding of it, but because of our nature(itálicos nossos)

[4] Cf. Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992 [1981], “Realismo acerca dos qualia”,  pp 131-135.

[5] Na Carta VII aos amigos e parentes de Dion, Platão discorre — com uma perspicácia notável da lógica e da filosofia da linguagem — sobre os cinco elementos que permitem a aquisição do saber: a noção; a definição; a imagem; a opinião; o objecto real (cognoscível). Dos três primeiros diz: o nome (noção) é a coisa expressa; não tem fixidez: o valor significativo da coisa expressa não varia com a modificação do nome. A definição é composta de nomes e verbos, logo nada tem de sólido por não ter fixidez (tal como o nome). A imagem é o desenho «que se traça e que se apaga», «a forma que se molda e que se destrói»: o objecto [do conhecimento] é coisa diversa de qualquer sua representação imagética. Restam o quarto e o quinto elementos do saber. Pela opinião [sobre o objecto cognoscível], a inteligência e a ciência emergem como uma classe única que não reside em sons pronunciados, nem em figuras materiais, mas sim nas almas [as pessoas] que se ocupam do objecto a conhecer: é só a inteligência, que por afinidade e semelhança, mais se aproxima do quinto elemento (o objecto); «os outros afastam-se mais». Por fim, o quinto elemento: o objecto real e cognoscível! Deste não se obtém perfeita ciência se não se compreendem as quatro representações anteriores, que exprimem a qualidade e o ser das coisas, através dos «fracos auxiliares que são as palavras». Cada um e todos os quatro modos dão à alma o que ela não procura; tanto no raciocínio como nos factos, sendo a expressão e a manifestação sempre refutáveis pelos sentidos, o homem é colocado num «impasse» e mergulhado na incerteza (…) Numa palavra, «quem não tem nenhuma afinidade com o objecto não obterá visão, nem graças à sua rapidez de raciocínio, nem graças à sua memória, porque nunca acharão raiz numa natureza desconhecida». É necessário aprender, ao mesmo tempo, o falso como o verdadeiro de toda a essência, à custa de muito trabalho e de tempo ( ) Só quando fizermos chocar uns com os outros, nomes, definição, percepções de vista e impressões dos sentidos, quando se discutir em discussões atentas, onde a inveja não dite nem as perguntas nem as respostas, é que, sobre o objecto estudado, vem a incidir a luz da sabedoria e da inteligência com toda a intensidade que podem suportar as forças humanas.

 

 


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Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2004
Putnam # 13

(7)   Um realismo onto-epistémico, conforme à linguagem de apreensão do real

Para finalizar este breve ensaio, propomo-nos apreciar sumáriamente os pressupostos metafísicos da condição de qualquer linguagem, a saber: a ontologia mínima da realidade e do pensamento pré-linguísticos. Assim, — com a preocupação da mais estrita economia de qualquer empenhamento ontológico —, aderimos a uma terceira possibilidade de interpretação, diferente das de Putnam e Searle, desenvolvida por J. P. Monteiro (1995) em artigo inserto na revista Análise,[1] que a seguir expomos.

Dizia John Locke, na sua hipótese dos “olhos microscópicos”, que «se nós tivéssemos olhos capazes de ver o ‘infinitamente pequeno’ poderíamos conhecer a maquinaria causal do mundo.»

Contudo, logo assinalava que «essa capacidade de percepcionar os corpúsculos mais diminutos poderia acarretar a ausência da nossa capacidade de apreender os objectos médios e observáveis que constituem o mobiliário do nosso mundo comum.»

Sem dúvida que a realidade das coisas não é formada pelo que quer que ocorra à nossa fantasia imaginar ser o que as constitue. «A realidade resiste à construção epistémica», e, nesse aspecto, até nos apercebemos vivamente que, nesse sentido, «a verdade não é apenas epistémica.»[2]

O conhecimento das classes naturais — «água», «ouro», «tigre», a cujo reino da natureza o próprio homem pertence — deriva de, entre a multiplicidade de apreensíveis que constituem a realidade, o sujeito humano seleccionar os que pode apreender e que correspondem ao seu interesse e capacidade cognitiva. Os juízos verdadeiros acerca de classes naturais são apenas aqueles que resultam de “uma selecção de aspectos da realidade” isenta de erro: isto é, a verdade é tão só a de um conhecimento conjectural, ainda não verificado ser falso.



[1] Conforme João Paulo Monteiro, "Realismo e Apreensibilidade”,  in Análise nº 18, edições Colibri  (1995), p. 125-156. Seguimos, o argumento brilhante do autor, inspirado no de Nagel sobre a possibilidade de existência de «uma espécie de seres com capacidades superiores às nossas, os quais seriam capazes de compreender aspectos do mundo para nós inalcançáveis». Com este ponto de vista possível, J. P. Monteiro move uma crítica sagaz quer ao realismo metafísico em geral, quer ao realismo interno de Putnam, defendendo outrossim o realismo comum, «tout court», mitigado pelo cepticismo incontornável que decorre da própria limitação da natureza humana para a inteira compreensão do cosmos de que o homem é parte contida e dependente.

[2] Cf. J.P. Monteiro, op. cit., p. 149


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Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2004
Putnam # 12

Vimos que a lógica clássica de Aristóteles é comprometida com a forte ontologia de observação do mundo real. Qualquer linguagem mais formalizada não dispensa, contudo, a referência ontológica ao mundo em que emerge e de que fala.

Se bem que a verdade de uma proposição só alcance pleno significado quando coerente com um sistema teorético de compreensão do mundo, a realidade é apreensível segundo múltiplos aspectos que a tornam inteligível para os falantes que a apreendem.

A cognoscibilidade do real e, diríamos, a in-humanidade ontológica da realidade expressam , respectivamente, a aptidão biológica e o condicionamento físico do homem na natureza; ambos os factores são testemunho de uma incontornável anterioridade à competência linguística da espécie humana[1]; ora, toda a história da epistemologia ilustra a luta constante, de fronteira, do saber com a aparência, o erro e o desconhecimento.

Não é possível, nos quadros conceptuais em que flui o pensamento, — e por analogia com o próprio processo de descobrir e conhecer —, negar a possibilidade de, não só a realidade ter aspectos, porventura essenciais, que ainda desconhecemos, como de os ter incognoscíveis para nós, humanos, face às limitações da nossa própria constituição biológica e cerebral.

Entender a lógica da linguagem humana, buscar-lhe os fundamentos primários que ditarão a significação dos símbolos, frases, proposições em que toma expressão, implicará necessáriamente tomar posição onto-epistemológica sobre a realidade pré-linguística que contextualiza e condiciona a existência do homem no mundo.

Quer Putnam quer Searle se reclamam epistemológicamente do realismo, da crença no mundo exterior.

Um realismo “interno”, pragmático — o de Putnam — que defende ser a referência e a verdade ambos internos a teorias de interpretação da realidade.

Um realismo causal, metafísico — o de Searle — em que a verdade implica algum tipo de correspondência com os objectos independentes da mente, e se crê possível existir uma única descrição coerente e verdadeira do mundo.

Curiosamente, apesar desta distinta atitude epistemológica de partida, — internalista, a de Putnam; externalista, a de Searle —, as posições finais a que chegam, na interpretação da própria lógica da linguagem, mostram-se invertidas: externalista, a de Putnam; internalista, a de Searle!

Assim, o internalismo-pragmático do realismo de Putnam, em termos de episteme, “converte-se”, no plano ontológico, numa postura mais aberta, externalista, de aceitação dos próprios objectos como referência última da inteligibilidade da linguagem; enquanto em Searle, toda a sua metafísica externalista, é como que “curvada”, após o impacto que os objectos do mundo provocam na mente. A mente passa a reger, pela Intencionalidade[2] (própria de todo o vivente), a determinação do sentido e significação da linguagem, numa estrita autonomia internalista do pensamento, cujo tropismo é o de inteligir o real, tal como ele verdadeiramente é!



[1] Que, — é uma hipótese antropológica —, não pode ter sido praticada e desenvolvida antes de o homem primitivo ter mudado o seu habitat da floresta para a savana, onde o ‘império’ do silêncio terá permitido, finalmente, distinguir a diversidade fonética da linguagem articulada.

[2] Searle, numa formulação preliminar, diz que a Intencionalidade «é a propriedade de muitos estados e eventos mentais pela qual eles são dirigidos para ou acerca de objectos e estados de coisas no mundo.»; «Intencionalidade é direccionalidade». Vide, John Searle, op. cit., p 21-23.


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Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2004
Putnam # 11

A divergência notável entre as duas teses constata-se no efeito diferente que as duas comunidades linguísticas retiram do significado dos seus termos de categorias naturais, o que é revelador das concepções ontológicas e epistémicas, distintas em cada autor.

Enquanto para Searle o significado de água é circunscrito à indexicalidade da experiência perceptual do mundo em que ocorre, para Putnam (1975), o termo tem esse significado e é necessáriamente a verdade em qualquer mundo possível em que x revele possuir a mesma micro-estrutura molecular da água (H2O) do mundo actual. Na verdade, como vimos, para Searle os estados mentais são determinados pelos objectos externos, pelo que, formada a linguagem, esta é então determinante dos conteúdos intencionais e modos psicológicos dos falantes, pelo que os significados, que estão na cabeça, proporcionam o sentido das palavras que determina a denotação do significado. Para Putnam, porém, o significado de um termo não é independente da contibuição da própria natureza do objecto denotado para a compreensão do termo que o designa, razão objectiva, aliás, da sua verdade necessária em qualquer mundo possível.

Ora, esta importante diferença decorre de, para Searle, os estados mentais dos sujeitos, em cada mundo, corresponderem à apreensão — esta causada externamente pelos próprios objectos do mundo externo — do sinn dos termos da sua própria linguagem (natural e conceptual) que passa a determinar a forma — lógicamente corente, mas fechada — de os sujeitos se referirem a objectos do mundo; ao passo que em Putnam, os estados mentais dos sujeitos são determinados pela interacção com o mundo e seus objectos, cuja natureza (a essência interna do objecto) é o factor autónomo de referência do significado do termo e necessáriamente verdadeiro em todos os mundos co-possíveis com o referido objecto.

Assim, a posição externalista de Putnam, centrada na referência, destitui o sinn das palavras e da linguagem como determinante último do significado, porquanto este é ditado pelo que se conhecer, e revelar ser, a essência real do objecto referido pelo termo; ao passo que Searle, dos objectos reais que mobilam o mundo — e agem causalmente sobre os estados mentais dos sujeitos — apenas retem a inteligbilidade que a mente internaliza dos objectos que experiência. Deste modo, a mente fixa o sinn dos termos no corpo inteligível e coerente da linguagem que passa a determinar o critério de referenciação dos objectos exteriores do mundo em que a linguagem é formada.

                                ------------ . ------------


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Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2004
Putnam # 10

(6)   Realidade e apreensibilidade: Searle e Putnam

A divergência marcante entre Putnam e Frege é retomada por John Searle numa defesa revisionada das teses deste último[1]. Contra o primeiro, Searle defende que o significado «está na cabeça» e uma mesma intensão não determina mais que uma referência porquanto as condições de satisfação estabelecidas pelo conteúdo mental (cabeça) são justamente causadas pela experiência perceptiva da referência. Assim, as teses de Putnam e Searle confrontam-se nos enunciados seguintes[2]:

i)        quanto à extensão:

TSearle) ("W) ("x Î W)  : Em cada mundo possível (W), para todo o x pertencente a esse mundo, o significado de um termo de uma categoria natural desse mundo (no nosso exemplo: água) formula-se na seguinte equivalência: x é água « x é o mesmo líquido que aquilo que é referido por “isto” em W.

TPutnam) ("W) ("x Î W1) : Em qualquer mundo possível (W), para todo o x pertencente ao mundo actual (W1), o significado de um termo de uma categoria natural do mundo actual (no nosso exemplo: água em W1) formula-se na seguinte equivalência: x é água « x é o mesmo líquido que aquilo que é referido por “isto” no mundo actual W1;

ii)       quanto à intensão:

o         TSearle) os estados mentais (M) dos sujeitos ST & STG são diferentes; e são determinados por objectos diferentes H2O à M(ST); XYZ à M(STG); o conteúdo intencional é diferente porque determinado por objectos diferentes.

o         TPutnam) ST & STG estão “num mesmo estado mental” à  (que acarretam) “duas referências distintas: H2O & XYZ.

Ambas as teses fixam o significado dos termos pela equivalência de todo e qualquer objecto x ao da referência indexical intencionada por cada sujeito da experiência. Contudo, porque são distintas as referências na experiência de cada sujeito, os significados dos termos divergem correspondentemente. Mas, enquanto para Searle, os termos e a linguagem representam o mundo em que emergem, e só têm significado nesse mundo; em Putnam, o significado dos termos e da linguagem, ao denotarem os objectos do mundo actual, fixam a verdade dessa representação em qualquer mundo possível em que os objectos sejam da mesma natureza dos denotados pelas expressões e a linguagem do nosso mundo.

Os estados mentais dos sujeitos ST e STG, embora postuladamente similares quanto à aparência sensível de x, divergem, ao nível da comunidade linguística e científica dos falantes nos dois planetas, na compreensão coerente da natureza (estrutura interna) da «água», composta pelas moléculas distintas, H2O e XYZ, desse líquido nos dois mundos.


 

[1] Vide, John Searle, op. cit., p 249-262.

[2] Cf. notas recolhidas no seminário “Tópicos de Filosofia da Linguagem: Terra Gémea, Sentido e Referência” (2001) de Prof.ª Adriana da Silva Graça. Na tese de Searle quanto à intensão, porém, é de nossa responsabilidade a explicitação do externalismo metafísico de Searle, pelo que, na relação de implicação, fixamos os objectos do mundo exterior como antecedentes que causam os estados mentais dos sujeitos. As posições ontológicas e epistemológicas de Putnam e Searle são confrontadas mais adiante, e a posição pessoalmente perfilhada em tal disputa — ponto (7) do ensaio — é a de um minimalismo ontológico de «apreensores possíveis», inspirado em Nagel, conforme exposto por J. P. Monteiro em artigo adiante citado, e não coincidente com aqueles dois autores.


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Domingo, 1 de Fevereiro de 2004
Putnam # 9

Ora, se a linguagem mais primitiva realmente se inicia pela identificação da referência semântica dos termos, em breve a sua gramática depura uma coerência lógica que pode gerar a compreensão de verdades sem qualquer correspondência imediata, sensível, no mundo exterior.

Assim, uma verdade analítica — que se compreende pela simples apreensão do conteúdo dos termos —, é uma verdade na qual existe a sinonimia entre os termos. Deste modo, ela pode (◊) ser conhecida independentemente da experiência, e do ponto de vista epistémico, é uma verdade a priori. Pelo contrário, uma verdade a posteriori é a que necessáriamente (ð) é conhecida através da experiência[1].

Outra distinção relevante é a do par necessário / contingente. Se uma proposição não puder ser falsa em nenhuma das possibilidades em que poderia ter sido algo diverso mas não foi e não é, ou seja, uma proposição que é verdadeira em todos os mundos possíveis, diz-se uma proposição necessária que assim se distingue do caso de uma verdade puramente contingente ao contexto em que ocorre.

Regressando ao nosso exemplo, «Água é H2O» é uma proposição que não pode considerar-se analítica, não obstante ser verdadeira em todos os mundos possíveis[2]. H2O não pode tomar-se como sinónimo de água, porque este termo pode ser usado com plena compreensão pelos utentes da língua e, não obstante, eles podem não saber que água é H2O, pelo que os dois termos não são sinónimos. «Água é H2O» é, assim, uma proposição necessária, mas a posteriori do ponto de vista epistémico.

Assim se constata como o uso do termo «água» pelos falantes, antes de acedido o conhecimento da sua estrutura íntima (molecular), é um caso exemplar de compreensão perfeita de um termo, sem plena identificação da sua extensão. 


[1] Kant distingue os juízos analíticos dos sintéticos, observando que, nos primeiros, o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito, o qual, pela análise, é decomposto nos conceitos parciais, que já nele estavam pensados. Pelo contrário, os juízos sintéticos acrescentam, ao conceito de sujeito, um predicado, que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposição. Assim, os juízos de experiência são todos sintéticos. Por exemplo, “todos os corpos são extensos” e “todos os corpos são pesados”: o primeiro é um juízo analítico; o segundo, um juízo sintético. Vide, Kant, Crítica da Razão Pura, trad. A. Fradique Morujão e Manuela Pinto dos Santos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1985, pp 43-45.

[2] Saul Kripke introduziu um tipo de verdade «metafísicamente necessária» (verdadeiro em todos os mundos possíveis) que pressupõe a noção de referência sem qualquer restrição do que a determine ou defina o que é — digamos, uma pura e arbitrária indexicalidade. A posteriori, na proposição «água é H2O», a referência no mundo real é fixada por restrições operacionais e teóricas, explicadas pela química daltoniana e pelos factos contextuais sobre as intenções de referência dos falantes. Putnam (1981, não-1975), porém, considera que «ao assumir um mundo de entidades-independentes-da-mente, entidades-independentes-do-discurso» — e tal é o pressuposto da indexicalidade irrestrita — existirão, então, muitas «correspondências» diferentes que «representam possíveis relações de referência ou candidatas a relações de referência», numa quantidade ilimitada de teorias metafísicas «compatível com as mesmas frases verdadeiras, a mesma “teoria do mundo”, e a mesma metodologia óptima para descobrir o que é verdadeiro!» Vide Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992 [1981], pp 70-74.


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Sábado, 31 de Janeiro de 2004
Putnam # 8

(5)   Referência e coerência: teorias da verdade

Mas, perguntar-se-á, que verdade é esta de compreensão sem identificação? É possível atribuir o predicado de verdade a proposições, asserções , frases.

As frases — como sucessão de símbolos numa certa linguagem —, distinguem-se das asserções — um certo uso da frase em que é feita uma asserção directa, distinto de um seu uso indirecto, sem compromisso com a sua verdade; v.g., “Ela foi ontem ao cinema” vs “Se ela foi ontem ao cinema, hoje não vai.”—, e das proposições que são o conteúdo expresso por meio de um certo uso de certas frases e susceptível de ser verdadeiro ou falso.

As duas grandes correntes de teorias substanciais da verdade são:

—      as teorias da correspondência: “X é verdade se e só se X corresponde aos factos (em particular, ao facto que X representa)” ou, como dizia Aristóteles: «Verdade é dizer o que é daquilo que é e o que não é daquilo que não é; falso é o contrário.»

—      as teorias da coerência: “X é verdade se for consistente (compatível) com um certo conjunto apropriadamente definido de outras proposições.”[1]

Se a teoria da verdade como correspondência exibe uma certa circularidade: X é verdade se corresponder a um facto exterior ao sistema em que X se insere com coerência; mas, — perguntar-se-á — o que é um tal facto senão o que torna X  verdadeiro?

A teoria da verdade como coerência, por seu lado, só resolve problemas cuja solução seja compatível com o conjunto adquirido de verdades, tendendo a privilegiar um “ideal arrumador” em detrimento de um experimentalismo ousado nas “linhas de fronteira” do que se exclui  e ignora.


[1] Vide Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1997 [1994], p 453. Diz este autor que a teoria da verdade como coerência «tem dois pontos fortes: I) é verdade que testamos as crenças quanto à sua verdade à luz de outras crenças (entre elas crenças perceptivas); II) não podemos sair do nosso melhor sistema de crenças, para ver como está ele a sair-se em termos da sua correspondência com o mundo.»


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Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2004
Putnam # 7

(4)   Sentido, referência e compreensão

Retomando Frege, sentido e referência mantêm-se as duas contribuições básicas da significação dos termos. Vimos como o sentido é, em geral, elucidado socialmente — divisão do trabalho social linguístico; definição operacional do termo. A referência é, em parte, determinada indexalmente — tendo em consideração a própria contribuição do objecto para a determinação do sentido (definição indexical). De qualquer modo, a referência é semântica e o sentido de um termo é consagrado pelo uso.

Temos de admitir que na linguagem natural e na comunicação em sociedade, a compreensão vem por graus, fixa-se em níveis diversos de compreensão. Identificar a referência sem equívoco não é obrigatório a todos os níveis de linguagem; para tanto há a cooperação social. Os peritos, esses sim, incluem a extensão no conceito significado pelo termo, que assim contribui para a intensão do sentido. Mas para os falantes comuns, a apreensão do sentido de um termo é uma competência defenível em graus, insuficiente para determinar a extensão.

Assim, para Putnam

(1)-  “x é água” é V sss[1] x é água.

(2)-  “x é água” é V sss x é H2O.

Embora (1) seja trivial e puramente extensional , a frase “x é água” tem um sentido coerente com muitas outras frases em que água está presente. Putnam defende (1) na linguagem comum e não (2). A verdade de (2) é, a asserida na linguagem especializada dos peritos. A questão é que, se exigissemos do utente comum da língua o “conhecimento identificador” de cada termo, nós estaríamos exigindo o máximo de compreensão, o que não corresponde à prática social da linguagem.

No fundo, é essa exigência que a teoria descritivista faz: — compreender um termo requer o conhecimento identificador do objecto x referido pelo termo t; o uso competente de um termo faz-se quando existe a compreensão do termo. Esta exigência recai sobre o «eu», sujeito indivdual, e não sobre o «eu» entendido como comunidade linguística — que recorre e compra o sentido aos especialistas, como na teoria de Putnam. As duas teses opoêm-se. Podemos formalizá-las simplificadamente assim:

(1)  (C ® I)    (Descritivismo)

Necessáriamente se há compreensão há conhecimento identificador.

(2) ◊  (C & ~I)      (Putnam)

É possível haver compreensão sem conhecimento identificador.



[1]  V sss – verdade se e só se


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