Bryan Magee talks to A.J. Ayer about Gottlob Frege and Bertrand Russell;
specifically about their published works and their impact
A autora faz a resenha desta questão (pp. 240-252) em torno do debate travado entre Bergmann, Grossman e Klemke cujas posições resumimos como segue:
Bergmann:- Frege, ao englobar a noção de conceito (universal) na de função, inclina-se para uma ontologia nominalista:
Uma função, como realidade incompleta, insaturada, de fraco estatuto ontológico, na relação com os seus argumentos opera uma aplicação («mapping») de cada membro de uma de duas classes sobre um, e só um, membro da outra classe. A regra de aplicação é menos tangível do que as coisas a que se aplica. Estas exemplificam a relação de aplicação, a qual sendo ontologicamente mais fraca do que a relação de exemplificação, deixa a claro a tendência nominalista da ontologia fregeana.
Klemke:- Para Frege, o conceito, embora não nomeado é, no entanto, a referência de um predicado gramatical. Como tal, o conceito tem uma certa entidade ontológica.
A referência não coincide nem se esgota com a noção de objecto. Além dos nomes próprios e das expressões completas, as expressões incompletas também têm uma referência. Esclarecido que os referentes dos conceitos não se identificam com as suas extensões, que o conceito (universal) não se dilui nos objectos que subsume, ele tem um estatuto ontológico próprio, distinto da classe dos indivíduos que o exemplificam. Como tal, na dicotomia referência / não-referência, pertencerão ao primeiro domínio, o dos objectos, os indivíduos, números, valores de verdade, extensões, correlatos conceptuais e funções; ao segundo domínio, o da não-referência, pertencem os sentidos e os pensamentos. Assim, no plano semântico, os conceitos estão do lado dos objectos e partilham com estes o que porventura haja de (in)decidível quanto ao realismo metafísico.
Grossman:- Para Frege, embora os conceitos não existam em termos de localização espácio-temporal, eles são reais e podem ser apreendidos pela mente.
Frege utiliza o predicado existe com dois significados: i) quando pretende saber se um nome próprio refere alguma coisa; ii) quando se trate de saber se um conceito subsume ou não algum objecto. Ora, Frege argumenta que um termo conceptual não refere uma extensão, mas sim um conceito, mesmo no caso de ser nula a extensão, ou seja, o caso em que nenhum objecto existe que exemplifique o conceito. Assim, é claro que existem objectos e existem conceitos. Mas, existem de modos distintos, dado que os objectos do mundo exterior se localizam no espaço e no tempo e são captáveis pelos sentidos; enquanto os conceitos, embora existentes e dados (não produzidos) à mente estão localizados fora do espaço e do tempo. O realismo peculiar de Frege confere aos conceitos um estatuto ontológico de objectividade que, porém, é nitidamente distinto da actualidade: os conceitos são objectivos, reais, mas não são completos, saturados: não são objectos. A uma expressão incompleta corresponde algo na realidade que não sendo um objecto é no entanto uma propriedade ou um aspecto de um objecto, ou uma relação de um objecto com outro(s). O não-nominalismo do sistema de Frege radica assim num plurívoco critério de existência que admite aplicável esta noção para além dos objectos e dos indivíduos completos em si.
Contudo, para Frege, o recurso à quantificação do segundo nível, embora dê a solução lógico-semântica da referência das expressões incompletas, não é critério para decidir da existência de conceitos, como referentes de predicados. De facto, no caso da quantificação universal, a proposição não envolve necessariamente a referência a todos os objectos do seu domínio. As expressões predicativas universais p.e., Os cavalos são mortais respeitam não a todos os indivíduos pertencentes à classe equina, mas à propriedade, ao atributo de ser cavalo. Elas mostram algo distinto dos indivíduos da classe, algo que é neles, se diz deles, de que se fala ou pode falar, mas que escapa à nomeação ou denominação: o conceito, propriamente dito, que escapa à nomeação.
Este facto a impossibilidade de nomear ou denominar a referência de predicados e outras expressões incompletas deriva de a referência ser ela também incompleta, insaturada, tal como os predicados que exemplificam. Porém, o modelo denominativo da referência o da relação nome-portador na sua inaplicabilidade às expressões incompletas, «só comprova a existência de um outro modo de referir que não o substancialista, objectivista e reificante, próprio dos nomes.» (p. 239). Qual seja então o estatuto ontológico desses referentes dos termos conceptuais e relacionais, admitido que existam extra-linguisticamente, é a questão que se levanta.
Na relação referencial nome-portador, a referência pode considerar-se de dois modos: na sua função semântica ou no próprio objecto o portador do nome.
A aplicação do primeiro modo a predicados conduz ao paradoxo aparente de O conceito cavalo não é um conceito, mas um objecto, pela razão de o artigo definido o saturar por completo a predicação da expressão, transformando-a por isso em nome de um objecto, que simplesmente se pode mostrar (ao modo de Wittgenstein).
No entanto, na notação de quantificadores e variáveis uma das invenções mais fecundas do próprio Frege O conceito cavalo pode transformar-se noutra expressão que refira a extensão do conceito cavalo, assim se referindo já não a um conceito, mas a um objecto, a classe de indivíduos de que uma certa propriedade se possa predicar: Há alguma coisa (alguns indivíduos) que são cavalos, ou que têm a propriedade de serem cavalos ou seja, dos quais se pode predicar o conceito cavalo.
Esta ideia fundamental da notação de quantificadores permite construir as frases segundo níveis de predicação que explicam a formação de predicados complexos que são o protótipo de expressões incompletas, que contêm lugares vazios, expressões insaturadas x é um objecto mantém-se uma frase correcta substituindo x por um nome próprio, mas não por um conceito, ou função ou relação; porém, x é um conceito é uma expressão correcta se x for preenchido por uma expressão predicativa de primeiro nível: Há algo a que o predicado é um cavalo se refere, onde algo não é um objecto que seja o referente do predicado, mas se interpreta como uma generalidade de segundo nível.
Frege transpõe ainda a distinção sentido-referência do plano dos nomes próprios para o das frases. Qualquer expressão completa tem por sentido um pensamento, mas este não satisfaz por si, sem se saber o seu valor de verdade. «Um juízo é considerado como uma trajectória do pensamento para o seu valor de verdade» (p. 140). Assim, de novo se ergue a questão da referência como o todo (o verdadeiro ou o falso), constituído por sentidos inesgotáveis, o vértice regulador de cada um dos movimentos de pensamento que para ele convergem: «Um todo (que é também um objecto) que se esconde ou se patenteia (se vela ou desvela) em cada uma das suas partes? Que é constituído ou constitui cada uma dessas partes?» (p. 140).
O modelo semântico da distinção sentido-referência é aplicado ainda às expressões incompletas, insaturadas: expressões relacionais ou expressões de funções e predicados.
Estas terão não só um sentido o seu elemento cognitivo, justificado dada a linguagem como praxis consciente, intelectual mas também um referente.
«Quando dizemos, p.e., Júpiter é maior que Marte, afirmamos uma certa relação entre os referentes das palavras Júpiter e Marte: esta relação deve pertencer ao reino da referência, e não ao do sentido, uma vez que as coisas que relaciona pertencem ao reino da referência. ( ) O ser maior que atribuído a Júpiter, por relação com Marte, deve pertencer tanto ao mundo real, objectivo ao reino da referência como Marte e Júpiter.» (p. 224).
A autora vai assim proceder a uma investigação compreensiva destas noções e destacar «o seguinte aspecto fundamental da semântica de Frege: - a distinção entre Sinn e Bedeutung é um reflexo ou uma aplicação do carácter funcional do conceito no plano linguístico» (p. 136).
No modelo da relação nome-portador distinguem-se os vários modos de dar-se de um objecto, e a coisa à qual esses modos se referem. Ora, neste caso, o conceito parece identificar-se com sentido o modo de dar-se do objecto, como uma das suas propriedades ou atributos, um dos conceitos sob o qual cai o objecto. Porém, para Frege, o conceito é o referente de um predicado gramatical. Contudo, a referência de um nome é o objecto designado: mas o nome não designa o objecto senão segundo um determinado aspecto, um determinado sentido (p. 138).
Ora, nunca se pode esgotar «a dizibilidade sobre cada objecto, mas sim multiplicar infinitamente os sentidos segundo os quais o conhecemos e o designamos» (p. 139). Se esta é a referência de um nome próprio, não será ele mais do que um feixe de sentidos a bundle of qualities à maneira de Russell?
Maria Luísa Couto Soares, Conceito e sentido em Frege,
Campo das Letras, Porto, 2001, pp. 278
(Uma recensão de leitura)
Para além do mundo físico, pluralizado em objectos concretos, e das mentes que os percepcionam, deles recolhendo dados e imagens sensoriais, há um terceiro mundo, o dos pensamentos, que se dá e apresenta à mente como uma realidade exterior à própria consciência:
«Os pensamentos não são representações, não estão incluídos no fluxo interno da consciência; formam parte do terceiro reino, real, objectivo, que se pode captar, apreender como quem vê um planeta ou um corpo celeste no firmamento.» (p. 25)
Gottlob Frege (1848-1925), matemático e filósofo da matemática, inventou uma escrita conceptual composta de fórmulas que mostram os «pensamentos tal como são em si mesmos e de acordo consigo mesmos.» (p. 17). Na verdade, embora a linguagem natural espelhe o pensamento, o que permite analisá-lo através das expressões linguísticas , ela não o reflecte no modo mais adequado e autêntico: «aprender lógica a partir da linguagem é como aprender a pensar como uma criança» in carta a Husserl de 1906 (p. 14). Daqui a necessidade de construir uma linguagem mais apta, objectivo da primeira obra importante de Frege, a Conceptografia (Beggrifsschrift) justamente considerada como marco fundador da lógica moderna.
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