o silêncio desce sobre todas as coisas
na casa tudo se transforma em letras (sombre)abertas simulando a palavra
muda.
e eu espero, imóvel, imersa numa inquietude branca e terna
que o crepúsculo me acenda os olhos e deixe no entre lábios um ardor, um
suave ardor,
concedendo à língua o desejo de queimar,
uma e outra vez,
sempre que te(me) penso, ou tão somente, desejo.
Ana de Sousa, Fragmentos-Livro I,
Intensidez, 2006, frg.153.
«... se não regar todos os dias aquela planta de esquina, o reflexo do sol nas suas folhas amarelecidas torna-se nocivo aos meus olhos.
eis porque.
poderei entender que, não regando a planta, me escapo à ideia de tudo por igual se deslocar. nada se move na aparência, como quando fixamos a paisagem e apesar de lhe estar afecto o movimento próprio dos elementos e do seu conteúdo, tudo nos parece constante e imóvel - apesar do vento não se mover nas copas ou assim nos parecer pela distância desse efeito.
quando todos obedecem à previsibilidade das ocorrências e seguem o seu caminho, operam as suas tarefas, nada e ninguém se parece deslocar, movimentar. é una e comum a invisualidade, nenhuma imagem se retém dessa construção abstraccionista mas metódica.
o que sugere que só eu, que paro e me coloco como ponto fixo, elemento espacial e temporal de divisão, faço notar o seu movimento. só o que pára pode objectivar a concepção do movimento e realizá-lo integro.»
e fossem as pétalas difusas redes
por onde se evadem consensos
e seriam as flores plenas fontes de emoção,
conluios de adjectivação no resfolego desabrochar,
ou no quebrar dos pólenes,
extinguindo a fértil locomoção dos cheiros.
(Ana, 21/3/2004)
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