q PORTANTO, parece, « a conjunção de motivos e acções voluntárias é tão regular e uniforme como a que existe entre a causa e o efeito em qualquer parte da natureza.»
ORA, a humanidade conhece universalmente esta conjunção regular que nunca foi objecto de disputa quer na filosofia ou na vida comum.
A uniformidade experimentada nas acções humanas é a fonte das inferências acerca das acções dos outros, em cuja expectativa se entrelaça a cooperação social e a dependência mútua dos homens.
POR CONSEGUINTE; não teremos razão para afirmar que toda a humanidade sempre concordou na doutrina da necessidade, tal como a definimos? (§ 69)
q E TAMBÉM nunca os filósofos acolheram opinião diferente e das pessoas, neste particular. Atente-se, tão só, quão diminuta é a parte especulativa do ensino a que não seja essencial a veracidade dos que o ministram.
É tal a conexão entre a evidência natural e a evidência moral que o espírito forma uma única cadeia de argumento, e não vê diferença entre as causas naturais e as acções voluntárias, ao passar de um para outro elo, de sorte que não é menor a certeza preditiva de qualquer evento futuro do que se estivesse conexo com objectos presentes aos sentidos (ou à memória) por um encadeamento de causas, cimentadas pelo que nos comprazemos em chamar uma necessidade física. (§ 70)
q PORQUÊ, ENTÃO, reconhecida que é por todos os homens a doutrina da necessidade em toda a sua prática e raciocínio há relutância em reconhecê-la nas palavras?
O vulgo, tomando as coisas segundo a sua primeira aparência, atribui a incerteza dos eventos a uma correspondente incerteza das causas
Mas, os filósofos, ao constatarem que, em quase toda a parte da natureza, se contem uma vasta variedade de origens e princípios, alvitram que é possível que a contrariedade dos eventos não derive de alguma contingência na causa, mas da oculta operação de causas contrárias.
Esta possibilidade pode converter-se em certeza por ulterior observação que note, em escrutínio exacto, que «uma contrariedade de efeitos trai sempre uma contrariedade de causas e provém da sua mútua oposição.» (§ 67)
q [ORA] este mesmo raciocínio deve aplicar-se às acções e volições dos agentes inteligentes.
As resoluções mais irregulares e inesperadas dos homens podem frequentemente ser explicadas por aqueles que conheçam todas as circunstâncias particulares da sua índole e situação.
Do mesmo modo que os ventos, a chuva, as nuvens e outras variações do tempo, embora não detectáveis pela sagacidade e investigação humana, se governam por princípios estáveis, assim os princípios e motivos internos das acções humanas podem actuar de uma maneira uniforme, não obstante as irregularidades aparentes. (§ 68)
q VEJAMOS a primeira circunstância: «a conjunção constante de eventos similares».
Há registo destes eventos na história das nações e das épocas? Há.
«Os mesmo motivos produzem as mesma acções.»
Queremos conhecer os gregos e os romanos? Entendamos bem a índole e as acções dos franceses e dos ingleses. A maior parte das observações podem transferir-se dos segundos para os primeiros.
(§ 65)
q NO ENTANTO, a uniformidade das acções humanas não vai ao ponto de postular comportamentos iguais nas mesmas circunstâncias, sem concessão à diversidade dos caracteres, preconceitos e opiniões! Mas esta variedade de conduta supõe ainda um grau significativo de uniformidade e regularidade. As maneiras diferentes em diferentes épocas e países decorre da grande força do costume e da educação que molda a mente do homem desde a infância e lhe configura uma maneira de ser (carácter) fixa e estabelecida. (§ 66)
q MAS É POSSÍVEL, encontrar algumas acções que parecem não ter nenhuma conexão regular com quaisquer motivos. Que juízo formar de tais acções irregulares e extraordinárias?
Comparemo-las com os próprios eventos irregulares que surgem no curso da natureza: «Nem todas as causas se ligam aos seus efeitos usuais com uniformidade semelhante.»
VEJAMOS: se a nossa visão da natureza fosse continuamente renovada a ponto de nenhuns eventos terem semelhança entre si, e cada objecto fosse inteiramente novo, sem qualquer semelhança ao <já visto>, [então] jamais alcançaríamos a menor ideia de necessidade ou de conexão entre objectos. Poderíamos só afirmar a sucessão de eventos, e não que um foi produzido por outro. Apenas, a memória e os sentidos veiculariam à mente, o conhecimento de qualquer existência concreta.
a ideia de necessidade e causação deriva inteiramente da
«uniformidade observável nas operações da natureza»
E, POR RAZÃO DESSA constante associação de objectos similares uns com os outros,
«a mente é determinada pelo costume a inferir um objecto, a partir do aparecimento de outro.»
PARA LÁ da «constante conjunção de objectos semelhantes»
E da «consequente inferência de um para o outro»
NÃO TEMOS «nenhuma ideia de qualquer necessidade ou conexão.»
Hume, David, An Enquiry concerning Human Understanding, and concerning Principles of Morals, Text revised and notes by P. H. Nidditch, Clarendon Press, Oxford, Reprinted from 1777 edition, 1902, 1975 (3ª ed.), 1990 (11ª impr.)
e Hume, David, Investigação sobre o Entendimento Humano, trad. de Artur Morão, Edições 70, Lisboa, 1989
Secção 8, Parte 1, §§ 62-74; Parte 2, §§ 75-81 (Of liberty and necessity)
sec 8, I, §§ 62-74
q Algumas questões gerais de filosofia são objecto de tão longa controvérsia, que tal só pode manter-se por não se atribuir as mesmas ideias aos mesmos termos, e destes não haver definições exactas. (§ 62)
q Assim acontece com a questão da liberdade e da necessidade, longamente debatida. Umas quantas definições inteligíveis findariam de imediato a polémica. toda a controvérsia girou, até agora, em torno de meras palavras. (§ 63)
q Universalmente admite-se que a matéria é actuada por uma força necessária, em todas as suas operações; e que todo o efeito natural é determinado com precisão pela energia da sua causa, a tal ponto que, dadas as circunstâncias particulares de cada caso, nenhum outro efeito poderia ter a possibilidade de resultar.
Mas, de onde provém esta ideia de necessidade?
§36
O Princípio é «O COSTUME ou HÁBITO».
Ele ocorre onde quer que a repetição de qualquer acto ou operação particular manifeste uma propensão para renovar o mesmo acto ou operação, sem ser impulsionado por raciocínio ou processo algum de entendimento.
DIZEMOS: essa propensão é o efeito do costume.
NÃO PRETENDEMOS ter dado a razão de semelhante propensão.
SALIENTAMOS SÓ um princípio da natureza humana, reconhecido universalmente, muito conhecido pelos seus efeitos.
CONTENTEMO-NOS com esta constatação, enquanto princípio último de «todas as nossas conclusões a partir da experiência.»
A NOSSA ASSERÇÃO é exprimível nesta proposição muito inteligível:
como explicaríamos que somos capazes de tirar uma inferência de mil casos, que não conseguimos tirar de um único caso, que de modo algum difere dos restantes? A razão não procede assim. As conclusões que retira da consideração de um círculo são as mesmas que formaria após a inspecção de todos os círculos do universo.
POR CONSEGUINTE,
«todas as inferências a partir da experiência são efeitos do COSTUME, não do raciocínio.»
«o COSTUME é o grande guia da vida humana.»
«seríamos plenamente ignorantes em toda a questão de facto situada além do que está imediatamente presente à memória e aos sentidos.»
«ajustar os meios aos fins»
ou
«empregar as nossas potências naturais na produção de qualquer efeito.»
«toda a acção» e a «principal parte da especulação.»
§35
SUPONHAMOS,
H: «que um homem dotado de razão e reflexão subitamente entra neste mundo»
T: «a princípio, não conseguiria alcançar a ideia de causa e efeito, mediante qualquer
raciocínio.»
PORQUE NÃO?
Porque os poderes particulares pelos quais todas as operações naturais se executam, «nunca aparecem aos sentidos.»
{Comentário 1 Contudo,
, podia interpretar de imediato o que observava, utilizando o conhecimento do mundo de onde viera e,
podia ser que
acertasse nas causas de pelo menos alguns efeitos observados
}
TAMBÉM, não é justo concluir unicamente porque um evento, num caso, precede outro o primeiro seja causa e o segundo o efeito: a sua conjunção pode ser arbitrária ou casual.
{Comentário 2 Mas, também, a contiguidade de eventos, mesmo constante, não sugere a ideia de causa e efeito
por exemplo, depois da tempestade, a bonança, à noite sucede o dia: nada sugere o primeiro como causa do segundo. O espírito imagina logo sim um poder particular a justificar certos eventos singulares
}
PORTANTO, sem mais experiência, nunca pode utilizar «a sua conjectura ou raciocínio acerca de qualquer questão de facto.»
{Comentário 3 Ao contrário, porventura fá-lo sempre procura com o que sabe, explicar as novidades
se o não consegue é que fica a pensar mais
}
NEM PODE certificar-se de «coisa alguma» para além do que «esteja imediatamente presente à sua memória e aos seus sentidos.»
MAS SUPONHAMOS, DE NOVO, que adquiriu maior experiência e viveu durante tanto tempo que: «observou objectos ou eventos familiares a combinar-se constantemente.»
QUAL É A CONSEQUÊNCIA? «Imediatamente infere a existência de um objecto a partir do aparecimento do outro.»
{Comentário 4 Essa será a tendência, realmente!}
MAS, «não adquiriu, mediante toda a sua experiência, ideia ou conhecimento de algum poder secreto pelo qual um objecto produz o outro» NEM «é induzido, por processo algum de raciocínio a tirar essa inferência.»
{Comentário 5 Porém, procurará ajustar os mitos (as narrativas), que tem na memória, às combinações de eventos com que se familiarizou pela experiência
}
NO ENTANTO, infere a conclusão do evento que se verifica.
{Comentário 6 Sem dúvida, cf. 4}
PORQUÊ? Qual o princípio deste procedimento?
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