Quinta-feira, 28 de Outubro de 2004
Have a nice day # 22

Livro. — O que é um livro que nem mesmo sabe levar-nos para além de todos os livros?

 

                                                             (Gaia Ciência, Livro III, § 248)


tags:

publicado por vbm às 19:12
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Terça-feira, 26 de Outubro de 2004
Have a nice day # 21

A propósito da clareza. — Quando se escreve é não somente para ser compreendido, mas também para não o ser. Um livro não fica diminuído pelo facto de um indivíduo qualquer o achar obscuro: ( ) Qualquer espírito um pouco distinto, qualquer gosto um pouco elevado escolhe os seus auditores; ao escolhê-los fecha a porta aos outros. As regras delicadas de um estilo nascem todas daí: são feitas para afastar, para manter a distância, para condenar o «acesso» de uma obra; para impedir alguns de compreender, e para abrir o ouvido aos outros, os tímpanos que nos são parentes.

 

Quanto a mim, digo-o aqui para nós, não permitirei nem à minha ignorância nem à minha vivacidade que me impeçam de vos ver claramente, ó meus amigos: ( ) Porque me sirvo dos problemas profundos como se fossem banhos frios: mal entro, saio logo. Este método, há-de dizer-se, impede de descer o suficiente, de ir ao fundo? trata-se de superstição de hidrófobo ( ) falam sem experiência. Ah! se soubessem como o frio torna as pessoas ágeis!... E de resto, diga-se de passagem: acreditais realmente que uma coisa se mantenha obscura porque não fizemos mais do que aflorá-la, deitar-lhe um olhar de passagem, lançar-lhe uma vista de olhos de passagem? ( ) Há pelo menos certas verdades ( ) que só é possível apanhá-las de surpresa: é surpreender ou largar... Enfim a minha exigência tem outra vantagem: ( ) sou forçado a ser muitas vezes rápido para que me compreendam ainda mais rapidamente.

 

Eis o que diz respeito à minha brevidade; já o mesmo não sucede tão brilhantemente com a minha ignorância, que não dissimulo. ( ) O que vem a ser necessário para que um espírito se alimente? nenhuma fórmula pode responder à pergunta, mas ( ). Não é a gordura que um bom dançarino pretende obter da sua alimentação ( ) ... e não conheço nada que um filósofo goste mais do que ser um bom dançarino.

 

                                                                 (Gaia Ciência, Livro V, § 381)


tags:

publicado por vbm às 16:17
link do post | comentar | favorito

Domingo, 24 de Outubro de 2004
...

galeria_de_arte_012a.jpg

«Para mim sempre existia
O gesto dum impulso.

Palavras que eu despi da sua literatura,
Para lhes dar a sua forma primitiva e pura»


(Sophia de Mello Breyner Andresen, "O jardim e a noite")



publicado por vbm às 13:04
link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito

Sexta-feira, 22 de Outubro de 2004
Have a nice day # 20

Efeito da mais antiga religiosidade. — O homem irreflectido imagina que só a vontade é actuante; querer seria uma coisa simples, encarada tal como é, indeduzível, compreensível por si mesma. Este homem imagina que quando faz alguma coisa, quando, por exemplo, vibra um soco, é ele que bate, e que bateu porque o queria fazer. Não vê nisso nenhum problema; o sentimento de ter querido basta-lhe não somente para admitir a causa e o efeito mas ainda para imaginar que compreende a sua relação. Não sabe nada do mecanismo da acção, do cêntuplo e subtil trabalho que tem de ser efectuado para que chegue a bater, do mesmo modo que não imagina a capacidade total da vontade para operar a menor parte desse trabalho. A vontade é para ele uma força que age de maneira mágica: acreditar na vontade como na causa de efeitos é acreditar em forças que agem por magia. ( ) Os princípios «não há efeito sem causa» ( ), aparecem-nos como generalizações de princípios muito mais limitados, tais como estes: «agiu-se, quis-se» ( ); mas nos tempos primitivos da humanidade ( ) os primeiros não eram generalizações dos segundos, eram os segundos que eram interpretações dos primeiros.  ( ) Contrariamente [aos que acreditam que o querer é simples e imediato] ponho os princípios seguintes: em primeiro lugar, para que um querer se forme é necessário que exista uma representação de prazer e de desprazer. Em segundo lugar: que uma violenta excitação produza uma sensação de prazer ou de desprazer, é assunto do intelecto interpretador, que, aliás, na maior parte das  vezes, opera sem que o saibamos. Em terceiro lugar: só há prazer, desprazer e vontade nos seres intelectuais; a enorme maioria dos organismos ignora-os.

 

                                                           (Gaia Ciência, Livro III, § 127)


tags:

publicado por vbm às 23:14
link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 11 de Outubro de 2004
Have a nice day # 19

                         INTERPRETAÇÃO

 

            Se me explico, então me implico:
            A mim mesmo não me posso interpretar.
            Mas quem suba o seu próprio caminho,
            A minha imagem leva a uma luz mais clara.

 

 

                         INTERPRETATION

 

            Leg ich mich aus, so çeg ich mich hinein:
            Ich kann nicht selbst mein Interprete sein.
            Doch wer nur steigt auf seiner eignen Bahn,
            Trägt auch mein Bild zu hellerm Licht hinan.      

       

                                     

                      (Poema de Nietzsche, trad. Paulo Quintela)


tags:

publicado por vbm às 20:25
link do post | comentar | ver comentários (12) | favorito

Sábado, 9 de Outubro de 2004
Have a nice day # 18

A vida não é um argumento. — Arranjamos para nós um mundo no qual possamos viver, admitindo a existência de corpos, de linhas, de superfícies, de causas e de efeitos, de movimento e de repouso, de forma e de fundo: não fossem esses artigos de fé, ninguém hoje suportaria a vida! Mas isso não prova nada em seu favor. A vida não é um argumento; porque o erro poderia encontrar-se entre as condições da vida.

 

                                                              (Gaia Ciência, Livro III, § 121)


tags:

publicado por vbm às 00:59
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Quarta-feira, 6 de Outubro de 2004
Have a nice day # 17
 

Causa e Efeito. — Costumamos empregar a palavra «explicação», e o que seria necessário dizer é «descrição», para designar aquilo que nos distingue de estágios anteriores de conhecimento e de ciência. Sabemos descrever melhor do que os nossos predecessores, explicamos tão pouco como eles. Descobrimos sucessões múltiplas nos pontos em que o homem e o sábio ingénuos das civilizações precedentes viam apenas duas coisas, «causa» e «efeito», como se dizia; aperfeiçoámos a imagem do devir, mas não fomos além dessa imagem. Em cada caso a série das «causas» apresenta-se-nos mais completa; deduzimos: é preciso que esta ou aquela coisa tenha sido precedida para que se lhe suceda outra; mas isso não nos leva a compreender nada. ( ) Só operamos com coisas que não existem, linhas, superfícies, corpos, átomos, tempos divisíveis e espaços divisíveis...; como havia de existir sequer possibilidade de explicar quando começamos por fazer de qualquer coisa uma imagem, a nossa imagem! ( ) aprendemos a descrever-nos a nós próprios cada vez mais exactamente descrevendo as coisas e a sua sucessão. Causa e efeito: trata-se de uma dualidade que decerto nunca existirá; assistimos, na verdade, a uma continuidade de que isolamos algumas partes; do mesmo modo que, do movimento, nunca percebemos mais do que pontos isolados, não o vemos, concluímos pela sua existência. ( ) Uma inteligência que visse causa e efeito como uma continuidade, e não, à nossa maneira, como um retalhar arbitrário, a inteligência que visse a vaga dos acontecimentos, negaria a ideia de causa e efeito e de qualquer condicionalidade.


                                                          (Gaia Ciência, Livro III, § 112)



tags:

publicado por vbm às 19:21
link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 1 de Outubro de 2004
Have a nice day # 16

Origem do Lógico. — De onde nasceu a lógica no cérebro humano? Do ilogismo, certamente, cujo domínio, primitivamente, deve ter sido imenso. Uma multidão de seres que raciocinava de maneira completamente diversa da nossa actual desapareceu; a coisa parece cada vez mais verdadeira. o que não podia, por exemplo, descobrir com bastante rapidez as «similitudes» necessárias quanto à sua alimentação ou aos seus inimigos, aquele que classificava com demasiada lentidão, que punha demasiada prudência em fazê-lo, diminuia as suas possibilidades de duração mais do que aquele que concluía imediatamente pela semelhança na conformidade. E era essa inclinação predominante que levava a tratar as coisas que se pareciam como se elas fossem iguais, — porque, em si, não há duas coisas que sejam iguais, — foi essa inclinação que primeiro forneceu a base de toda a lógica. do mesmo modo, para que nascesse o conceito de substância indispensável à lógica, ainda que estritamente falando nada de real lhe corresponda, foi necessário que se não visse, nem sentisse, durante muito tempo o que há de mutável nas coisas; os seres que não viam muito bem tinham uma superioridade sobre aqueles que percebiam as «flutuações» de todas as coisas. ( ) A maneira como se sucedem, no cérebro de hoje, pensamentos e deduções lógicas, corresponde a um processo e a uma luta de instintos que são, em si, deveras ilógicos e injustos, só percebemos geralmente o resultado desta luta; de tal modo este antigo mecanismo funciona em nós rapidamente e agora secretamente.

 

                                                               (Gaia Ciência, Livro III, § 111)


tags:

publicado por vbm às 01:06
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
pesquisar
 
Setembro 2015
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
16
17
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30


posts recentes

...

...

Pascal & Espinosa # 2

Pascal & Espinosa # 1

...

Espinosa # 55

Espinosa # 54

Espinosa # 53

Espinosa # 52

Espinosa # 51

...

Espinosa # 50

Espinosa # 49

Espinosa # 48

Espinosa # 47

Espinosa # 46

...

A Caverna de Platão

Wittgenstein: Philosophic...

Ayer on Frege and Russell

arquivos

Setembro 2015

Fevereiro 2010

Novembro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Janeiro 2004

Dezembro 2003

Novembro 2003

tags

albert jacquard

ana de sousa

ana hatherly

ar rosa

astronomia

ayer

davidson

deleuze

dostoiévski

espinosa

eugénio de andrade

fiama

fotografia

françois miterrand

frege

gerard de constanze

gonzalo torriente ballester

hobbes

homero

hume

imagens

jl borges

khalil gibran

kripke

leibniz

maquiavel

nietzsche

pascal & espinosa

paul auster

paul valéry

peirce

philo-vídeos

platão

política

putnam

quine

rawls

russell

samuel beckett

sandra costa

scarlett johansson

searle

sophia de mello breyner

villaret

virgínia woolf

wittgenstein

todas as tags

favoritos

...

links
Míope, logo táctil. Gosto de ler e conversar, q.b. «Nada convem mais ao homem do que o seu semelhante.» Vasco
blogs SAPO
subscrever feeds